Culpar e tentar tirar de cena artistas do funk e do rap, como Oruam, é ação tão condenável quanto a apologia ao crime

Oruam tem o nome associado a um projeto de lei Reprodução / Instagram Oruam ♫ OPINIÃO ♩ “Não tenho culpa do pai que eu tenho. Não sou bandido. Sou artista�, desabafou Oruam, filho do traficante conhecido como Marcinho VP, no iníc...

13/02/2025 | Entretenimento

 

Oruam tem o nome associado a um projeto de lei
Reprodução / Instagram Oruam
♫ OPINIÃO
♩ “Não tenho culpa do pai que eu tenho. Não sou bandido. Sou artista�, desabafou Oruam, filho do traficante conhecido como Marcinho VP, no início do mês quando um policial militar teve questionada a razão de ter feito foto com Mauro Davi dos Santos Nepomuceno, nome artístico desse rapper carioca surgido em 2021 e em evidência desde 2022 na cena do trap.
Sim, MC’s do funk e do rap são artistas, embora volta e meia alguém de outra camada social tente enquadrá-los como se eles fossem bandidos, os fora-da-lei.
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Não por acaso, a discussão do universo pop no momento é sobre a lei Anti-Oruam, como vem sendo chamado o projeto de lei proposto pela vereadora Amanda Vettorazzo, do partido União Brasil de São Paulo, para impedir a contratação com dinheiro público de shows de artistas que fazem apologia ao crime e apologia ao uso de drogas.
O projeto não cita o nome de Oruam, mas o apelido – dado pela próprio vereadora – já deixa explícito quem é o alvo do projeto.
“Eles sempre tentaram criminalizar o funk, o rap e o trap. Coincidentemente, o universo fez um filho de traficante fazer sucesso e eles encontraram a oportunidade perfeita pra isso. Virei pauta política. Mas o que vocês não entendem é que a lei anti-Oruam não ataca só o Oruam, mas todos os artistas da cena�, argumentou Oruam em rede social.
O rapper tem razão. Atacar a apologia ao crime é uma coisa porque crimes jamais podem ser incentivados em letras de música ou em qualquer outro meio de expressão, assim como é intolerável qualquer verso que incite ou exalte práticas racistas e de violência contra as mulheres, para citar outras duas ações intoleráveis e passíveis de punições com o rigor da lei. Agora tentar criminalizar um artista como se ele fosse bandido é outra, e bem diferente.
Em essência, o caso Oruam repõe em pauta uma questão complexa: como definir o limite da liberdade da expressão? A liberdade de expressão é o motor dos regimes democráticos. Mas há limites. E é por existirem limites que o rapper norte-americano Kanye West vem sendo atacado e cancelado – também com razão – por comentários antissemitas e por vender camisetas com propagandas nazistas.
Só que é preciso bom senso para detectar onde há real apologia ao crime – e essa prática, sim, deve ser combatida – e onde há somente uma narrativa fictícia sobre o universo do crime, assunto de letras de rappers nascidos e criados em comunidades onde a violência provocada pelo crime infelizmente é parte da rotina.
É preciso que, além de bom senso, haja boa vontade de toda a sociedade com o som de artistas do rap e do funk, gêneros historicamente criminalizados por puro preconceito social (como foi o samba nos já longínquos anos 1930).
Tentar tirar de cena Oruam (ou qualquer outro artista desses gêneros), como parece ser a intenção velada de muita gente, é somente exercer a censura, prática tão condenável quanto a apologia ao crime.