‘Tarifaço’ de Trump pode aumentar vinda de produtos chineses para o Brasil e impactar indústria; entenda

Especialistas afirmam que um primeiro efeito seria a redução de preços para os consumidores. Mas, sem uma regulamentação adequada, a indústria nacional poderia ser prejudicada. Imagem de arquivo, de 2019, mostra os presidentes dos EUA, Do...

22/02/2025 | Economia

 

Especialistas afirmam que um primeiro efeito seria a redução de preços para os consumidores. Mas, sem uma regulamentação adequada, a indústria nacional poderia ser prejudicada. Imagem de arquivo, de 2019, mostra os presidentes dos EUA, Donald Trump, e da China, Xi Jinping.
Kevin Lamarque/Reuters/Foto de arquivo
As ameaças de Donald Trump de impor tarifas a produtos importados tem deixado a indústria brasileira preocupada. Não apenas pela taxação em si, mas também porque essas medidas alteram a dinâmica do comércio global.
Um exemplo é a possível guerra comercial entre EUA e China, que voltou a ganhar força desde que Trump indicou que pretende impor um tarifaço sob a justificativa de proteger a indústria norte-americana.
Em janeiro, o presidente dos EUA anunciou uma tarifa adicional de 10% sobre produtos chineses. Em resposta, a China também anunciou taxas mais altas para produtos norte-americanos.
Já nesta semana, Trump afirmou que um novo acordo comercial com a China "é possível".
Segundo especialistas e representantes da indústria consultados pelo g1, o crescente atrito entre as duas potências pode abrir espaço para que o gigante asiático intensifique sua relação comercial com outros países — como o Brasil, por exemplo.
O movimento não seria novidade. Segundo Marcos Jank, professor sênior e coordenador do centro Agro Global do Insper, a China já se preparava para uma segunda guerra comercial com os EUA, e agora adota uma visão mais estratégica, cautelosa e seletiva sobre o comércio mundial.
“Nos últimos anos, a China diversificou bastante suas exportações, já sendo bem menos dependente dos EUA do que era em 2017. E ela tem buscado também uma maior aproximação dos emergentes�, afirma.
Caso o movimento se concretize, a presença de produtos chineses no mundo deve crescer bastante. No Brasil, por exemplo, a China respondeu por 24,2% das importações do país em 2024. Aumentando demais esse número, a economia e a indústria nacional precisarão reagir.
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Impactos para a indústria
Por um lado, a maior presença da China no Brasil pode diminuir os custos para os consumidores a curto prazo. Isso porque a chegada de produtos chineses mais baratos obriga a indústria brasileira a baixar os preços para se manter competitiva no mercado.
“O que acontece na prática é que a China já vem praticando preços muito abaixo dos preços de mercado em diversos segmentos. Vemos um ‘dumping’ de produtos chineses no Brasil, mas isso tem prejudicado a produção local�, diz Flávio Roscoe, presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG).
Nesse sentido, apesar de os produtos ficarem mais baratos para os consumidores em um primeiro momento, representantes da indústria alertam que os efeitos na economia e nas cadeias produtivas podem ser negativos no médio e longo prazo.
Esses efeitos negativos seriam mais sentidos nos setores em que a China investe mais, como:
Indústria de máquinas e equipamentos;
Indústria têxtil e de confecção; e
Indústria automobilística.
Segundo José Velloso, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), esse movimento já começa a impactar o faturamento e o crescimento da indústria brasileira.
No setor de máquinas e equipamentos, por exemplo, houve uma queda de mais de 8% no faturamento em 2024, enquanto o volume de importações cresceu 10% no mesmo período. Entre os importados, houve um aumento de 33% dos produtos chineses.
“Esses já são os efeitos da guerra comercial entre EUA e China. E, nesse caso, o aumento das importações não é um bom sinal para a produtividade porque o consumo do setor também caiu�, explica Velloso, indicando que isso mostra uma piora nas vendas de produtos brasileiros.
Esse cenário também é visto nos outros dois setores, que já lutam há algum tempo por um ambiente com regras claras de competitividade no país. O exemplo mais recente foi a discussão sobre a chamada “taxa das blusinhas�.
A cobrança de um imposto de importação de 20% para compras de até US$ 50 feitas no exterior começou em agosto do ano passado, após mais de um ano de negociações no governo.
A medida era amplamente defendida pelo setor têxtil, que buscava igualdade tributária e regulatória, em meio ao crescimento de sites e aplicativos como Shein, Shopee e AliExpress.
Para Fernando Pimentel, diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), o aumento de tarifas pelos EUA volta a acender o alerta para o setor de uma possível “concorrência desleal�.
“Estamos sempre trabalhando em conjunto com os órgãos de controle das nossas fronteiras, e não só para importações convencionais, mas também para exportações que vêm pelas plataformas digitais internacionais, para garantir que todos estejam pagando os devidos impostos, assim como nós�, diz.
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Impacto na taxa de câmbio
Além dos impactos vindos da China, representantes da indústria também destacam os efeitos de um dólar mais forte devido às tarifas impostas por Trump.
Essas medidas podem tanto aumentar os custos de produção para as indústrias que importam matérias-primas, como também encarecer as taxas de juros no país, afetando indústrias que dependem do acesso ao crédito pelos consumidores — como a indústria automobilística, por exemplo.
De maneira geral, especialistas acreditam que as tarifas impostas pelo governo dos EUA podem encarecer os produtos no país e pressionar a inflação, forçando o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) a aumentar os juros.
Esse cenário tende a fortalecer o dólar em relação a outras moedas, o que pode pressionar a inflação no Brasil — e também forçaria o Comitê de Política Monetária (Copom) a ser mais rigoroso na condução dos juros por aqui.
Os efeitos já são sentidos no Brasil. Segundo Marcio de Lima Leite, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), as vendas financiadas do setor caíram para 30% em 2023 e encerraram o ano passado em 45% do total.
“Esse ano temos um grande desafio que é fazer o mercado crescer sabendo que a taxa de juros e o custo de financiamento serão impactados. Além disso, ainda há muita insegurança e falta de previsibilidade nos acordos comerciais. O que acontecerão com os acordos? Serão mantidos, estreitados, alterados ou redirecionados?�, disse Leite durante apresentação do resultado consolidado do setor de 2024.
Impacto macroeconômico
Os especialistas e representantes do setor consultados pelo g1 destacam que o possível aumento no volume de produtos chineses no país pode trazer efeitos macroeconômicos a longo prazo.
“A primeira consequência disso tudo é a desindustrialização, porque se há produtos mais baratos vindos da China, eu vou importar. E isso já está acontecendo agora, com várias empresas anunciando grandes números de demissões�, afirma Velloso, da Abimaq.
Nesse caso, além da perda de faturamento de diversos setores da economia brasileira, há também o risco de um aumento na taxa de desemprego e de uma redução dos investimentos no país.
Um exemplo é o setor de fabricação de geradores eólicos. O segmento, que chegou a ter sete fabricantes no país, hoje tem apenas três. Por isso, parte das exigências da indústria brasileira é a construção de uma agenda voltada para aumentar a competitividade brasileira no exterior.
“A verdade é que nós não temos que ter apenas uma agenda contra aqueles que usam de mecanismos inadequados, mas também precisamos cuidar da nossa agenda de competitividade, para que também possamos aumentar nossa presença nos mercados internacionais�, diz Pimentel, da Abit.
O que esperar para os próximos meses?
Com uma série de medidas anunciadas pelo presidente dos EUA, os executivos consultados pelo g1 acreditam que os próximos meses ainda trazem muita incerteza, principalmente sobre os impactos diretos e indiretos no Brasil.
“Há um risco de desaceleração mundial da economia, muita instabilidade e insegurança que podem acabar impactando diretamente o mercado brasileiro�, diz Leite, da Anfavea.
Ele destaca, no entanto, que o país também tem grandes oportunidades pela frente, que podem ser positivas para a indústria.
“O Brasil tem uma oportunidade muito grande de estreitar a relação com os principais países, podendo aproveitar esse momento para ter mais competitividade nas nossas exportações. É momento de ter calma, serenidade e entender as mudanças que estão acontecendo�, completa o executivo.