Decisão de Dino: entenda as dúvidas geradas e como bancos podem ser afetados
Decisão de Flavio Dino impede aplicação de sanções americanas a Alexandre de Moraes sem a permissão do STF O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, decidiu nesta segunda-feira (18) que leis e determinações de outros países não...
19/08/2025 | Economia


Decisão de Flavio Dino impede aplicação de sanções americanas a Alexandre de Moraes sem a permissão do STF
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, decidiu nesta segunda-feira (18) que leis e determinações de outros países não têm validade automática no Brasil, por uma questão de soberania nacional. Na esteira desse processo, também proibiu instituições financeiras brasileiras de atender ordens de tribunais estrangeiros sem autorização expressa do STF.
Embora não cite diretamente a Lei Magnitsky — sanção dos EUA aplicada contra o ministro Alexandre de Moraes em julho —, essa parcela da decisão de Dino foi interpretada como uma resposta a ela, e levantou dúvidas sobre os impactos para bancos e empresas que operam no Brasil e no exterior.
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Com a percepção de maior risco aos negócios, o impasse fez as ações dos bancos brasileiros caírem em bloco nesta terça. O g1 consultou especialistas para explicar como a decisão do Supremo pode afetar as instituições financeiras brasileiras.
Veja a seguir:
Quais princípios jurídicos garantem a soberania brasileira diante de sanções e leis estrangeiras?
Empresas e bancos brasileiros com negócios nos EUA são obrigados a cumprir a Lei Magnitsky?
De que forma a decisão e a Lei Magnitsky podem afetar instituições financeiras brasileiras?
Bancos e empresas que atuam em vários países devem seguir qual legislação?
O Brasil pode ser excluído do sistema financeiro internacional se empresas descumprirem leis estrangeiras?
A decisão fere acordos internacionais ou tratados multilaterais?
Empresas americanas, como Visa, Mastercard e redes sociais, podem deixar de operar no Brasil?
O que dizem as instituições brasileiras citadas na decisão?
1. Quais princípios jurídicos garantem a soberania brasileira diante de sanções e leis estrangeiras?
Em entrevista à GloboNews, o doutor em Direito Internacional pela USP Rabih Nasser afirmou que a decisão do ministro já está prevista na Constituição, e também trata do “princípio da territorialidade”.
“Ou seja, as leis de cada país valem dentro do seu território. Em situações excepcionais, podem até produzir efeitos fora dele”, diz o especialista.
O que diz a lei:
🔎 Princípio da soberania nacional (artigo 1º da Constituição Federal): “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
🔎 Princípio da territorialidade (artigo 5º do Código Penal): “Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.
§ 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.
§ 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.”
Segundo Nasser, a decisão do ministro Flávio Dino, no caso da ação do Ibram, declarou sem efeito uma medida de um tribunal inglês, tomada em março deste ano.
“Ele entendeu que houve violação da soberania nacional, já que municípios brasileiros estavam litigando em tribunal estrangeiro, embora façam parte do Estado brasileiro. Por isso, afirmou que eles devem litigar aqui, no Brasil, porque os fatos ocorreram aqui”.
Mas, na avaliação do especialista, a decisão do STF de ampliar a proibição para bancos e instituições financeiras “parece claramente voltada às sanções impostas pelos EUA”.
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2. Empresas e bancos brasileiros com negócios nos EUA são obrigados a cumprir a Lei Magnitsky?
Charles Nasrallah, advogado especializado em direito empresarial, avalia que a decisão do STF de barrar determinações estrangeiras no Brasil cria um conflito.
“Na teoria, bancos e empresas devem obedecer à lei brasileira. Na prática, para operar no mercado internacional, ninguém pode simplesmente ignorar a legislação dos EUA, que controla o sistema financeiro global”, afirma.
Segundo ele, o Supremo adotou uma decisão que pode soar nacionalista, mas que, na prática, coloca as empresas brasileiras em uma encruzilhada difícil de resolver.
“O cenário para empresas que atuam no Brasil é complexo, pois elas se veem entre duas ordens diferentes”, avalia.
Para Marcos Camilo, CEO da Pulse Capital, a legislação americana — incluindo a Lei Magnitsky — não tem aplicação imediata no Brasil. “O país mantém sua soberania nacional. Uma lei ou decisão estrangeira precisa ser validada em território brasileiro para ter eficácia”, afirma.
Ele ressalta que autoridades dos EUA podem sancionar empresas brasileiras apenas em território americano, em caso de descumprimento de leis ou decisões locais. “O Brasil não é obrigado a aplicar medidas estrangeiras em seu território”.
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3. De que forma a decisão e a Lei Magnitsky podem afetar instituições financeiras brasileiras?
Rabih Nasser acredita que as empresas precisarão continuar medindo riscos e definindo o que podem ou não fazer conforme a legislação de cada país — sobretudo nos EUA.
“Em princípio, as sanções dos EUA valem apenas para empresas americanas. Ou seja, cidadãos e companhias dos EUA não podem se relacionar com a pessoa sancionada, e as restrições podem atingir transações que passem pelo sistema financeiro americano.”
Já Eduardo Terashima, doutor em relações internacionais econômicas e sócio da NHM Advogados, alerta que o descumprimento de normas internacionais pode gerar consequências severas para as empresas no cenário global, como:
bloqueio de ativos no exterior;
restrições de acesso a sistemas de pagamento em dólar;
aumento do custo de captação fora do país.
Ele lembra especificamente do caso do BNP Paribas, maior banco da França, que foi multado em US$ 8,8 bilhões (cerca de R$ 48 bilhões) em 2014 por descumprir embargos dos EUA a Irã e Cuba, por exemplo.
O advogado Charles Nasrallah, especialista em direito empresarial, afirma: “Esses precedentes mostram que, em matéria de sanções, é a jurisdição americana que dita as regras do jogo internacional — e não a brasileira”.
Por isso, bancos brasileiros com operações nos EUA, como BB Américas (controlado pelo Banco do Brasil), BTG Pactual, XP e Itaú, continuam em dúvida se suas atividades e subsidiárias no país podem ser afetadas caso se considere que houve descumprimento de ordens do governo americano.
“Embora não haja efeito direto no Brasil, pode haver sanções contra empresas controladas por companhias brasileiras caso o governo americano entenda que houve descumprimento da lei”, explica Marcelo Godke, sócio do Godke Advogados e especialista em direito internacional empresarial.
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4. Bancos e empresas que atuam em vários países devem seguir qual legislação?
De acordo com o advogado Daniel Toledo, especialista em direito internacional, empresas que atuam em vários países devem seguir a legislação de cada território. Uma companhia que faz negócios nos EUA deve respeitar a lei americana, enquanto uma brasileira precisa cumprir as normas nacionais.
“O mesmo vale para operações na Rússia ou em qualquer outro país, sempre considerando os tratados internacionais em vigor”, afirma Toledo.
Na mesma linha, o advogado criminalista Antônio Gonçalves explica que empresas e bancos devem seguir a legislação brasileira para atos praticados no país e a legislação internacional para operações no exterior.
“Ou seja, é uma obediência a ambas as legislações”, resume.
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Ministro do STF Flávio Dino
Gustavo Moreno/STF
5. O Brasil pode ser excluído do sistema financeiro internacional se empresas descumprirem leis estrangeiras?
A exclusão de um país do sistema SWIFT é vista como uma medida extrema, adotada apenas em situações excepcionais — como ocorreu com Rússia e Irã.
🔎 O SWIFT é uma rede global que garante comunicação segura entre instituições financeiras e facilita transferências internacionais. Funciona como um sistema de mensagens para instruções de pagamento, sem gerenciar ou reter fundos. Mais de 11 mil instituições em mais de 200 países utilizam o SWIFT.
“O Brasil não está sob sanções do Conselho de Segurança da ONU, mantém laços comerciais sólidos com China, EUA e União Europeia, e não há precedente de exclusão do país em situação semelhante”, explica Eduardo Terashima.
Segundo ele, o risco provável é o encarecimento das transações financeiras internacionais e uma postura mais cautelosa de empresas estrangeiras ao negociar com o Brasil.
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6. A decisão fere acordos internacionais ou tratados multilaterais?
Em novo despacho, o ministro Flávio Dino reafirmou a validade da decisão, esclarecendo que sua determinação não se aplica aos chamados tribunais internacionais.
Como o Brasil não é signatário de tratados internacionais que o obriguem a adotar a legislação sancionatória dos EUA, a decisão do STF não viola acordos internacionais.
Daniela Poli Vlavianos, especialista em direito civil e empresarial, diz que só haveria descumprimento se houvesse tratado bilateral ou multilateral que previsse a aplicação de sanções semelhantes.
“O que existe são compromissos em instâncias como ONU e OEA. Mesmo nesses casos, as sanções dependem de resoluções vinculantes aprovadas pelos organismos, e não de leis unilaterais de um país estrangeiro”, explica a advogada.
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7. Empresas americanas, como Visa, Mastercard e redes sociais, podem deixar de operar no Brasil?
A saída de empresas norte-americanas do Brasil é considerada uma “consequência drástica” por Marcelo Godke — e, em sua avaliação, improvável.
“As empresas não encerrarão suas operações no Brasil, mas poderão enfrentar sanções significativas nos EUA, incluindo multas multibilionárias, caso descumpram determinações do governo americano”, afirma o especialista.
Na prática, porém, essas empresas terão de decidir a quem obedecer: ao governo americano ou, eventualmente, às ordens do Judiciário brasileiro. “Acredito que tenderão a seguir as diretrizes do governo americano, diante do potencial impacto financeiro das sanções”, acrescenta.
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8. O que dizem as instituições brasileiras citadas na decisão?
No processo, o ministro do STF determinou que o Banco Central e outras instituições financeiras fossem comunicados da decisão, diante dos “riscos e possibilidades de operações, transações e imposições indevidas”.
As entidades notificadas foram:
Federação Brasileira de Bancos (Febraban);
Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF);
Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg).
Procurada pelo g1, a CNseg afirmou em nota que “tomou conhecimento da recente decisão e, no momento, está avaliando o caso”.
“A entidade reforça que, por se tratar de um tema novo e ainda em exame, não é possível apresentar um posicionamento definitivo neste momento. A CNseg seguirá acompanhando os desdobramentos e se manifestará oportunamente, após a devida avaliação técnica”.
Até a publicação desta reportagem, a Febraban e a CNF não haviam se manifestado.
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